Crônica sobre o Amor



Por mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado uma ótima posição no ranking das virtudes, o amor ainda lidera com folga. Tudo o que todos querem é amar. Encontrar alguém que faça bater forte o coração e justifique loucuras. Que nos faça entrar em transe, cair de quatro, babar na camiseta, deixa o hot dog – que acabou de comprar – cair no chão sem ao menos ter dado uma única boa mordida. Que nos faça revirar os olhos, tremer na base, rir à toa, cantarolar dentro de um ônibus lotado, pegar o caderno e uma caneta e começar a escrever uma crônica - à esmo, mas fazendo sentido. 

Algum psiquiatra presente no recinto?


Depois que acaba esta paixão retumbante, sobra o que? O amor. Mas não o amor mistificado, que muitos julgam ter o poder de fazer levitar. O que sobra é o amor que todos conhecemos: o sentimento que temos por mãe, pai, irmão, filho.

É tudo o mesmo amor, só que entre amantes é diferente, exige mais cumplicidade, mais amizade, mais respeito...

Não existem vários tipos de amor, assim como não existem três tipos de saudades, quatro de ódio, seis espécies de inveja. O amor é único, como qualquer sentimento, seja ele destinado a familiares, ao cônjuge ou a Deus. A diferença é que, como entre namorados, noivos ou marido e mulher não há laços de sangue, a sedução tem que ser ininterrupta. Por não haver nenhuma garantia de durabilidade, qualquer alteração no tom de voz nos fragiliza, e de cobrança em cobrança acabamos por sepultar uma relação que poderia ser eterna.
Casaram. Te amo prá lá, te amo prá cá. Lindo, mas insustentável. O sucesso de um casamento exige mais do que declarações românticas. Entre duas pessoas que resolvem dividir o mesmo teto, tem que haver muito mais do que amor, e às vezes nem necessita de um amor tão intenso. É preciso que haja, antes de qualquer coisa, respeito. Agressões zero. Disposição máxima para ouvir argumentos alheios. Alguma paciência.
Amor, só, não basta. Não pode haver competição. Nem comparações.
Tem que ter jogo de cintura para acatar regras que não foram previamente combinadas. Tem que haver bom humor para enfrentar imprevistos, acessos de carência, infantilidades. Tem que saber levar.

Amar, só, é pouco. Tem que haver inteligência. Um cérebro programado para enfrentar tensões pré-menstruais, rejeições, demissões inesperadas, contas pra pagar. Tem que ter disciplina para educar filhos, dar exemplo, não gritar. Tem que ter um bom psiquiatra. Não adianta, apenas, amar.

Entre casais que se unem visando a longevidade do matrimônio tem que haver um pouco de silêncio, amigos de infância, vida própria, um tempo pra cada um. Tem que haver confiança. Certa camaradagem, às vezes fingir que não viu - fazer de conta que não ouviu. É preciso entender que união não significa, necessariamente, fusão. E que amar, simplesmente, não basta.

Entre homens e mulheres que acham que o amor é só poesia, tem que haver discernimento, pé no chão, racionalidade. Tem que saber que o amor pode ser bom, que pode durar para sempre, mas que sozinho não dá conta do recado.

O amor é grande, mas não é dois. É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta.

Um bom Amor aos que já têm!
Um bom encontro aos que procuram!
E felicidades a todos nós!







S. Paulo, 24/25, fim de uma noite maravilhosa e início de mais um dia de Outubro de 2012.


O Coelho




Pode ser só uma lenda, mas eu juro que eu vi um coelho desenhado na lua. Logo eu, que sou cego feito um morcego quando a noite chega. Logo eu, vi um coelho desenhado lá. Esfreguei os olhos, e de repente eu não conseguia parar de vê-lo mais. Toda época de lua cheia, o coelho estava lá. Uma vez li em algum lugar que se você vê um coelho, significa que está apaixonado, mas se você vê um dragão, representa dinheiro. Esta deve ser a terceira, ou quarta, lua cheia desde que me lembrei do que havia lido há tempos atrás, e pela terceira, ou quarta, vez eu continuo vendo o tal coelho. O que me leva a ter fé nessas coisas, é o simples motivo de que eu acreditava que a lua cheia me deixava triste, não importava as minhas aventuras idiotas ao longo da vida, a lua não passava de um sinônimo de tristeza para os meus olhos e meu coração, e agora tem um coelho lá! Logo eu, que quase morri! 
Estou apaixonado. Tive medo de não enxergar o coelho, não porque tinha dúvidas sobre o quão apaixonado eu estou, mas porque acreditava que meu coração estava aposentado, que finalmente havia se cansado dos sofrimentos. Logo eu, que estava me preparando para encarar e enfrentar 100 anos de solidão (sem querer plagiar Gabriel García Marques). E naquele momento pensei na minha bem-amada, pensei no teu nome escrito em roxo e lilás, cantei músicas de amor e parecia ouvir tua voz e ver teu rosto com aquele sorriso lindo que me embriaga e faz meu coração bater mais forte. Como é possível que uma única pessoa consiga te fazer ver coisas que os seus olhos não permitiriam e te faça sentir coisas que você jamais imaginou ser possível? E é mais do que estar apaixonado, eu a amo. Não há formas de não querer falar sobre esse amor que sinto, pois não cabe em mim, transborda em mim. Enlouqueci de amor. Enlouqueci porque não importa o que eu faça - ou onde eu esteja - você se faz presente. Tem mais de ti em mim do que de mim mesmo. Enlouqueci porque quando imagino um mundo sem você, tudo me parece absolutamente sem cor, sem vida, sem graça, sem sal nem açúcar; porque transbordo de saudade se fico apenas alguns segundos sem falar contigo. Eu vi um coelho na lua. Vi seu nome. Vi suas cores. Cantei músicas de amor para a lua. Escutei sua voz vinda de lugar nenhum. Vi teu rosto com aquele sorriso lindo que amo contemplar...
Agora eu preciso que você me escute dizendo: Eu te amo!



S. Paulo, 10, uma quarta-feira de Outubro de 2012.

O que é amar?




Amar é olhar para dentro de si mesmo e dizer: eu quero viver intensamente. É sonhar com um mar de realidade e sentir-se feliz por realizar uma gota desse sonho. É estar presente até na ausência. 

Amar é ter em quem pensar. É mandar uma mensagem, de madrugada, só para dizer “estou com saudades”. É uma razão que ninguém teria razão de tirar. É ser só de alguém e não deixar esse alguém só. É pensar em quem você ama tão alto a ponto da pessoa amada escutar seus pensamentos. 

Amar é você conseguir se enxergar nos olhos de quem você ama. É ir até o fim e não ter medo de desejar ter esse amor para sempre, mesmo que possam lhe dizer “ainda é cedo demais para pensar assim”. 

Amar é acordar para a realidade do sonho, é vencer através do silêncio. É ser feliz com pouco quando muito não é o bastante. Amar é dar anistia ao coração. É sonhar o sonho de quem sonha com você. 

Amar é sentir saudade... é chegar perto da distância. Amar é a força da razão... é quando os momentos são eternos.


Amar é viver a vida em versos e o inverso.




S. Paulo, 8, uma segunda-feira de Outubro de 2012.

Quando um homem te ama

 

 

 

Um homem, quando ama de verdade, vai querer dizer isso todos os dias e vai tentar demonstrar seu amor além das palavras. Nunca irá ameaçar te deixar, terá medo de te perder.

Um homem, quando ama de verdade, não critica suas roupas e nem seus gostos peculiares. Gasta e repõe, diariamente, seu estoque de elogios sinceros e, ainda, repara no seu novo corte de cabelo, mesmo que tenha sido apenas dois dedos. Ele vai sentir uma saudade absurda. Vai te mandar uma enxurrada de torpedos bobos, porém, românticos. Vai postar músicas românticas com recadinhos quase subliminares que só você será capaz de perceber. Vai querer recuperar toda a semana massiva de trabalho para ficar o final de semana ao teu lado. Ele vai respeitar a sua TPM e te oferecer colo quando quiser chorar e vai te dar motivos para sorrir e te tirar para dançar, mesmo que ele não saiba.

Quando um homem ama de verdade, ele não mente, não inventa histórias para se livrar de uma encrenca. Às vezes, nem consegue esconder uma surpresa, pois o mais importante, é ganhar em troca um sorriso. Ele vai trocar, sem hesitar, uma tarde no bar com os amigos por um passeio romântico no parque. Vai ter paciência de te esperar se arrumar para sair numa noite de sábado e nunca vai te deixar esperando por muito tempo. E nunca vai te abandonar em suas folgas, mesmo que estejam brigados. Você sempre terá a certeza de que é prioridade na vida dele.

Quando um homem ama de verdade, ele não trai e não engana. Ele vai ouvir suas palavras atentamente e nunca sentirá vergonha de dizer bem alto, na frente dos amigos ou de quem quer que seja, que te ama mais que tudo no mundo. Sempre fará questão de andar de mãos dadas e não as soltará por nada. Sempre vai te levar onde for e se não for possível você acompanhá-lo, ele vai optar por estar com você. Inevitavelmente vai fazer planos para o futuro, vai querer colocar uma aliança no seu dedo seguida de juras intermináveis de amor e longos beijos apaixonados. Ele não vai querer que mude por nada, te aceitará exatamente do jeitinho que você é e sempre te lembrará que foi por essa mulher por quem ele se apaixonou perdidamente.

Um homem, quando ama de verdade, não será, necessariamente, tudo isso, mesmo porque o único “príncipe encantado” que existiu se casou com a Cinderela, e ambos nem eram de carne e osso. Mas quando ele te disser “eu te amo”, será verdadeiro e intenso e nunca pedirá nada em troca, seu amor lhe será entregue sem condição alguma, totalmente de forma gratuita. Mas procure não misturar as coisas, pois um homem, quando ama de verdade, não precisa viver em função da mulher que ama a vida toda, mas vai te respeitar como uma verdadeira mulher. Simplesmente como a “mulher da sua vida”.

 

 

 

S. Paulo, 26, uma quarta-feira de Setembro de 2012.

Ser um cronista




O que é ser um cronista?

É enxergar o potencial de um fato corriqueiro de ser único ao mesmo tempo que ocorre repetidamente e transpô-lo ao papel. Mas principalmente, é aproximar a linha entre o jornalismo e a literatura.

Um cronista é um escritor que relata o que todos nós pensamos, mas que muitas vezes não nos damos conta, talvez por não pararmos para refletir sobre o que a todo tempo se passa. Outras vezes escrevem sobre o que nos frustra, revolta ou entristece.

Entretanto, só há uma coisa que o cronista não faz que é distanciar-se do seu tempo e seu é o agora.

Crônica é colo de namorada, é ser abraçado por quem te ama. É como encontrar aquilo que lhe fazia falta e que volta como uma música preferida.
É perceber que existem pessoas que passam pelas mesmas coisas. 
É como lembrar das conversas que tinha com seus velhos amigos até altas horas na praça, rindo de qualquer coisa, como se aquilo fosse felicidade, como se fosse a melhor coisa do mundo.
É como cerveja gelada no verão. Como um domingo chuvoso, que você acorda de ressaca só para ter a certeza de que ainda pode dormir mais.
Um cronista precisa ler mentes, precisa ler corações.
Precisa descobrir o que as pessoas sonham, temem, o que as fazem rir, chorar, se emocionar, se apaixonarem. Precisa fazer com que o leitor acredite que foi copiado naquela crônica que dizia que a mulher durona, sem coração, é na realidade uma menininha meiga, que sonha, que quer ser tratada com rosas e beijos incandescentes e se apaixonar perdida e loucamente.

Mas para ser um cronista precisa mesmo é ser humano. Juntar um pouquinho de loucura na mistura e convencer seu leitor de que tudo é possível. Inclusive ser feliz.

E mesmo eu não sendo um cronista de mão cheia e tendo textos medíocres, mesmo sabendo que a crônica é pouco reconhecida e considerada de menor valor literário, decidi me publicar.

Porque, caro único leitor amigo, se ninguém me publica, eu me publico.






São Paulo, 21, uma sexta-feira nublada de Setembro de 2012.

Vaidade das Vaidades






Estive lendo, pesquisando, pensando e cheguei a uma conclusão sobre os motivos que levam tanta gente ir de mal a pior em determinada área da vida – ou várias.

O ser humano, dotado de fé ou não, tem a tendência de se castigar, de se sabotar o tempo todo. Lendo alguns livros – que não citarei aqui por motivos pessoais – percebi, para a minha surpresa, o óbvio que nem mesmo eu tinha percebido.
Nós mesmo que atraímos todo o mal que nos acontece. Nós mesmos, com nossa falta de amor-próprio e a falta de compromisso com o nosso bem-estar.
Nós, mesmo que inconscientemente, travamos uma batalha silenciosa com o nossos sonhos e desejos, bloqueando-os, impedindo-os de se realizarem. Sem saber, prometemos a nós mesmos não deixar que essas coisas aconteçam, prometemos não evoluir  como pessoas, como irmãos, como pais, ou até mesmo, no amor.
Devido a algumas decepções que por ventura – ou desventura – criamos essa imagem. Achamos que não merecemos as bênçãos, achamos que não merecemos ter sucesso, sermos amados e respeitados enquanto indivíduos.
E assim, toda oportunidade que nos bate à porta é rejeitada e dizemos para nós mesmo: “Não mereço isso.”

E a oportunidade vai embora, rejeitada.

Existe solução para este problema. E como a maioria das soluções, no que se refere à nossa vida, não é fácil, mas os resultados são impressionantes e satisfatórios se houver comprometimento.

Pensa nas coisas que deram errado. Pense nas suas frustrações.

Vou dar um exemplo pessoal – não será fácil me expor dessa forma, mas servirá para que entendam o que quero dizer.

Eu tive dezenas de frustrações amorosas, decepções que me magoaram bastante, que me feriram bastante. Não farei uma imagem de santo de mim mesmo, também cometi meus erros no amor com pessoas especiais, mas esses erros foram cometidos por causa da promessa inconsciente que fiz: “Não ser feliz e não deixar ninguém me amar.”
Me julgava inferior, mesmo falando bem sobre o amor e o desejando, inconscientemente eu o repelia toda vez que batia à minha porta uma oportunidade real de ser feliz, de ter o que sempre quis – falando sobre relacionamentos.
Não acreditava que podia ser merecedor de amor. E isso bloqueava as tentativas do Universo – ou o nome que quiserem dar - de atender os meus desejos da alma e do coração.

Então, se eu posso lhes dar um conselho, seria este: Quebrem este acordo! Quebre essa promessa.
Mantenham seus sonhos e desejos vivos e trabalhem para realizá-los. Não desperdicem tempo e energia com coisas fúteis, Não ignorem as oportunidades e bênçãos. Deixem que o Universo conspire a favor de vocês.

Não se castiguem. Coisas ruins podem acontecer a vocês, e aconteceram, mas não sejam responsáveis diretos por isso. Entendam que essas coisas são necessárias para o nosso crescimento ou para pagar uma dívida, por causa de algum erro que cometemos, mas nunca se julguem responsáveis por tudo de ruim que acontece ou que possa acontecer.

E lembrem-se de uma frase de um escritor famoso (adorado por mim e odiado por muitos):


 “Toda bênção que não é aceita se transforma em maldição.”



Fiquem bem!








S. Paulo, 17, uma segunda-feira fria de Julho de 2012.

A Segunda Morte



Ia morrer pela segunda vez e o fato aterrorizava-o mais do que da primeira. Na primeira tinha tido uma morte suave, boa e calma, quase que a saboreara com gosto. Despedira-se de todos e partira sem qualquer remorso de cá ter estado. Desta vez era diferente. Tudo lhe parecia novo e difícil de encarar. Não que não tivesse gostado de ter morrido, mas certa nostalgia já o estava invadindo. Tinha morrido num dia bonito, de sol alegre e calor abundante. Ainda se lembrava de como suava naquele horrível colarinho apertado.

Quando chegou lá tentou encarar as coisas com naturalidade… Encontrou amigos, conhecidos, pessoas que não via há muito tempo e pessoas que francamente esperava nunca mais ver. Os primeiros dias foram entediantes – aborrecidos -, sem nada para fazer, sem conseguir conversar com ninguém, sem fome, sem sede, sem calor... sem nada. Era como se estivesse vivo, mas um vivo muito doente, quase um vivo morto, e se pegou pensando que era melhor continuar vivo do que permanecer morto daquela forma.

Agora que ia morrer novamente estava assustado. Não sabia como seria novamente recebido, se o mesmo tédio o assolaria, se encarariam bem o seu regresso, se não o considerariam um traidor às leis da vida. Não sabia bem quando seria a partida, mas iria preparar bem as coisas. Passaria pelo cemitério e iria arejar o local onde supostamente deveria estar. Tiraria aquela jarra azul que não lhe dizia nada. Arrumaria devidamente as rosas vermelhas que o vento costumava espalhar, daria uma limpeza geral. Endireitaria as fotografias, iria retirar algumas que o favoreciam menos. Tantas recordações de quando era vivo...! E agora ali prestes a estar morto de novo. Inconformado resolveu caminhar um pouco, sentia-se sonolento. O ar fresco do entardecer o fez bem, irrigou-lhe o cérebro de saudades e lembranças, os músculos atrofiados distenderam-se. Sorriu, sentou-se e esperou por eles, sabia que viriam em breve.

De repente ouviu-os aproximarem-se. Soube então que estava morto que continuava morto e bem morto e despediu-se de si próprio enquanto se elevava nos ares.

Nunca mais se veriam…





S. Paulo, 11, uma quarta-feira de Julho de 2012.

Vá Com Calma!




Ir com calma? O que é isso?



Existe coisa mais chata do que se apaixonar por alguém e a outra pessoa dizer pra você que o melhor é “ir com calma”? Nessa hora, você tem vontade de gritar: “Com calma? Como assim? Eu já mergulhei de cabeça!”, mas, é claro, você não o faz!


É claro que, ao pensar racionalmente, você nota que é uma ideia inteligente, afinal, quem precisa se jogar num relacionamento que não sabe se vai dar certo? Mas ainda assim não é algo fácil de fazer, já que sentimentos não podem ser controlados, não é mesmo?!

Pensando em todas essas complicações, vamos tentar entender o que passa na cabeça de quem quer ir com calma num relacionamento que acaba de começar. São algumas hipóteses que te farão entender melhor o outro lado da história e juntando x com y, você descobre qual é o seu caso!


Medo de se machucar


Quem é que nunca sentiu medo ao entrar num relacionamento e não ter certeza se daria certo ou se era apenas mais uma armadilha para o sofrimento? Todo mundo tem medo de se machucar, de sofrer e de ter as expectativas destruídas.

Por causa desse medo, algumas pessoas tendem a abraçar o lado racional das coisas – tentam frear os impulsos – e manter as coisas nos eixos, planejando cada passo a ser dado no relacionamento. Isso não quer dizer que a pessoa não gosta de você, apenas prova que ela é mais pé no chão.


Fugindo de compromisso


Vocês ficam, mas os amigos não são apresentados. Conhecer a casa, nem pensar. Se bobear, nem o endereço de onde o outro mora você tem. E ainda tem que ouvir que é bom dessa maneira, porque vocês vão com calma, sem dar passo maior que a perna.

Na verdade, isso é um sinal muito chamativo de fuga de compromisso crônica – um nome que acabei de criar – ,ou seja, uma daquelas pessoas que enrola o quanto pode antes de oficializar o que vocês têm, isto é, se você bobear, nunca vai ter nada sério, apenas vai continuar “indo com calma”.


Não está apaixonado


Essa é a pior conclusão que você pode chegar quando está entrando num relacionamento. A pessoa quer ir com calma e contar os passos, porque não tem certeza do que sente por ti. Só que é melhor descobrir isso o quanto antes, não é?


Eu tenho mais teorias, mas acho melhor acabar o texto assim...



Esse texto tem endereço certo:  é para quem me pede para “ir com calma”.





P.S.

Prefiro escutar o sábio conselho de Humberto Gessinger:


“A medida de amar é amar sem medida... Velocidade máxima permitida...”






S. Paulo, 10, uma terça-feira de Julho de 2012.

Dos Caminhos D'Alma



Minh'alma queima
o asfalto - marcando os caminhos
por onde vaguei.
O que sobrou foi meu estandarte:
era escarlate.
Uma Ode ao Dom Supremo.
E sobrou...
E foi pouco...







S. Paulo, 3, uma terça-feira de Julho de 2012.

Dos Desejos D’Alma





Nenhuma palavra dita sem querer
desejando o nosso bem querer.
Olhares que não deciframos,
declarações mudas que não fizemos...
Abraços que não nos demos.
Filmes que não assistimos... Pipocas que não compartilhamos...
Corações que não doeram de saudade, nem barrigas que não gelaram pelo reencontro.
Bilhetinhos que não escrevemos, nenhum poema recitado, baixinho, ao pé do ouvido,
nenhuma canção elegida como ‘nossa’...
Nenhum carinho...  Nenhum gesto...  Nenhuma emoção.
Nenhum caos na cozinha por causa de um jantar especial, feito às pressas para surpreender...
Passeios que não fizemos... Mãos que não demos...
Nenhuma briguinha... Nenhuma reconciliação.
Nenhuma lágrima... Nenhum sorriso...
Nenhuma surpresa.
Nem sonhos, nem planos...
Dois estranhos buscando as mesmas coisas...
Sem nunca se encontrarem.

S. Paulo, 30, um sábado de Junho de 2012.

Como Acabar Um Relacionamento

 

 

Existem centenas de livros sobre sexo, manuais da conquista, dicas para arrumar namorado (a) e até magias e produtos que garantem deixar qualquer uma apaixonada por você. Nessas horas, todo mundo é Dom Juan e diva da MPB. Arrumar namorada é fácil; esposa, mais fácil ainda. Difícil é pular fora, jogar a toalha branca, acabar o relacionamento sem aquele peso na consciência, sem o peculiar sentimento de culpa e a estranha sensação de fazer o papel de mentecapto da história.

Adiamos o anúncio fúnebre durante meses, às vezes por anos. Adiamos tanto que até “esquecemos” de acabar, para ver se a outra pessoa cria juízo e resolve a situação. Tem gente que acaba com uma facilidade tremenda. Outros, manteigas derretidas, não conseguem sequer inventar uma viagem para pensar um pouco.

Não dá mais para dizer “vou ali comprar cigarro” e sumir do mapa. Tem e-mail, rastreamento por satélite, e-CPF, rastreador eletrônico, identificador de chamadas e até consulta ao Imposto de Renda pela Internet. E os amigos da onça, claro, que sempre fazem questão de dizer para a dita cuja como você está bem… e bem acompanhado, eventualmente.

Com o intuito de facilitar a sua vida, o idiota que vos fala preparou mais uma iniciativa de inutilidade pública. Um breve guia de como tirar o seu da reta e fazer com que a outra pessoa acabe o relacionamento. Livrando você de todo o peso na consciência e, quem sabe, até lhe transformando em vítima.

O segredo maior é nunca ser o responsável pelo decreto final. Você pode até propor o fim do relacionamento, mas nunca fique com a última palavra. Para chegar a este objetivo supremo, a receita é simples. Puxe-a para conversar e dê uma rápida aula de história, bem fundamentada cientificamente.

A aula de hoje é sobre monogamia. Explique assim: sobre o atraso que a monogamia representa para a sociedade pós-pós-moderna. A monogamia está se convertendo em uma falácia na qual as pessoas fingem que acreditam, somente por tradição. Vejamos as provas concretas.

 

METALINGUAGEM RELACIONAL

Em uma análise metafísica, o prefixo ‘mono’ sempre representa o atraso.

Na aresta musical, antigamente a gente escutava tudo em mono-Ural. Ou seja, o som saía por apenas um canal, geralmente abafado. A tecnologia chegou e inventaram o estéreo, dois canais a proporcionar um som mais puro e refinado. Hoje, dois canais é motivo de piada. Os aparelhos vêm com múltiplas saídas de áudio e as placas de som, no computador, trabalham com mais de 100 canais. Sistemas de home-theater, sonhos de consumo, usam sistemas 5.1 – cinco saídas principais e uma reserva no centro – ou até 7.1. Quem quer voltar ao mono? Jogue fora aquelas caixinhas fajutas.

Na informática, antes não existia monitor colorido. Parece que foi ontem, mas há dez anos a gente digitava textos em monitor preto-e-branco, cujo nome técnico é monocromático (radiação com um só comprimento de onda). Os monitores coloridos, caríssimos, eram policromáticos – vários comprimentos de ondas, resultando em várias cores. Usavam-se telas monocromáticas porque era o jeito, não havia alternativa. Quando o policromático tornou-se comum, barato e padrão, tornou-se um dos grandes saltos da computação contemporânea.

Na economia, há décadas que as monoculturas não atendem mais as necessidades do mundo globalizado. Durante séculos, os países gerenciavam extensas porções de terra dedicadas às monoculturas, situação a qual um único produto é cultivado. Como o café ou o açúcar, no Brasil. Os visionários entenderam que, com a abertura dos mercados globais, manter a cultura de produto único seria suicídio. Quem aderiu à policultura se deu bem e tem rios de dinheiro até hoje, repassando para filhos, netos, bisnetos, tataranetos.

Na engenharia elétrica, as ligações monofásicas são tidas como atrasadas. Residências razoavelmente recentes usam ligações trifásicas, pois levam energia de forma otimizada e ainda reduzem o consumo ao final do mês. Evidente que a maioria das residências usam ligações monofásicas. Gastam mais e vivem com problemas de quedas.

Na aviação, ninguém tem coragem de voar em aeronaves monomotoras. O motivo é simples. Quando uma turbina falha, o monomotor não tem reserva. Pifou, caiu, só dá tempo de fazer o sinal da cruz e dizer uma frase curta, como por exemplo: “Fodeu...” ou “Puta que me pariu...”. O mínimo de segurança você encontra em aviões com ao menos duas turbinas, bimotores. Sempre há a reserva de emergência, quando a outra turbina falhar – ou passar 40 dias com dor de cabeça.

Lembro-me das inúmeras vezes que reclamaram comigo por ser ‘monossilábico’. Inúmeras. Então, o jeito é ser polissilábico. Você aguentaria sair com uma pessoa monotemática? São aquelas que só sabem conversar sobre um único tema. É claro que não. Pessoas interessantes são pessoas politemáticas e polivalentes, porque ser monovalente (ter apenas uma valência) não está com nada. Uma pessoa que só tem uma única qualidade presta?

Na psicologia, existe um bagulho chamado monofobia. Trata-se de horror mórbido à solidão, uma espécie de pré-depressão profunda. Bom, ninguém quer sofrer e entrar em depressão, então é melhor fugir da monofobia. Estamos cansados de ver gente casada e infeliz.

Nos estudos de lingüística, os monoglotas são recusados. As pessoas admiram os poliglotas, aqueles que falam mais de um idioma. E apenas dois idiomas não está com nada, porque até cachorro late em inglês. Precisa saber, pelo menos, dois idiomas e um terceiro de reserva, para quebra-galho.

No convívio social, ninguém gosta de ficar falando sozinho, quer dizer, de praticar monólogos. Monólogos são terríveis. E você já ouviu o termo monoplégico? Que nada, a gente só escuta tetraplégico. No capitalismo, o monopólio é nocivo às economias. Até o oligopólio não é bem visto. O ideal é a chamada concorrência perfeita ou concorrência saudável, sem monopolização dos mercados.

 

EXTREMA-UNÇÃO RELACIONAL

Caso você tenha o infortúnio de namorar ou estar casado com uma pessoa religiosa-praticante, não se desespere. Estou aqui para ajudar (ou não).

É que os religiosos não aceitam o monofisismo, aquela doutrina na qual existe uma única natureza para Jesus Cristo, vulgo JotaCê. O monofisismo prega que JotaCê era apenas homem, não tinha nada de sobrenatural, de deus ou espírito santo. O catolicismo não leva o monofisismo em consideração e coloca JotaCê como integrante de uma tríplice aliança. Precisa de mais argumentos?

Se precisar, vamos a eles.

Caso a cidadã seja atéia ou cética extremada, você pode citar o monoteísmo – a crença em um único deus. Veja o exemplo dos japoneses. São xintoístas desde sempre e fazem parte de uma elite econômica e tecnológica. Xintoísmo é a crença em vários deuses – do ar, da terra, do fogo etc. É uma religião anterior ao budismo. Bastou a conversão monoteísta ganhar fôlego nas décadas de 70 e 80 para a economia japonesa quebrar, na década de 90 (1997) e levar todo mundo junto.

Você ainda pode questionar: e se a gente acredita em apenas um deus, onde entram os orixás? E o que vamos fazer com todo aquele blá blá blá de Sérgio Buarque de Hollanda, Paulo Freire, Marilena Chauí e outros intelectuais defensores da identidade brasileira? Até o ex-ministro da Cultura cantava para os orixás. E aquela oferta para Iemanjá, fica para o santo?

A aula poderia seguir adiante, mas de acordo com os estudos de quem vos fala, a essas alturas o seu relacionamento já estará acabado, digo, solucionado.

 

Atenção ao epílogo. Se a criatura for leitora deste digníssimo blog (o que já seria um milagre), ela poderá responder: “Querido, enquanto você fazia cursinho para esta aula, eu estava terminando minha tese de mestrado”.

Cumprimos nosso objetivo: você ficou sozinho e ainda saiu como vítima.

 

Ou Acabo Com Meu Ego Ou Ele Acaba comigo

 

 

     Descobri a origem de todos os meus problemas e desmazelos. O responsável por tudo o que estou passando. O grande culpado, o vilão de toda a história: o ego. Filho da puta! É tudo culpa dele. Juro, eu sou inocente. Não tenho responsabilidade nenhuma nestes sentimentos inconfessáveis que tomam conta de mim. É o ego que me faz assim. Ele me controla, me domina, faz o que quer comigo. Déspota. Ditador. Insensível. Se eu pudesse, mandaria matá-lo, tamanha é minha aversão por este traste imprestável. Meu ego não merece viver. Que ódio que eu tenho dele. Ódio e nojo!

     E o pior que não é só o meu que é assim. Todos são. O seu também é. O ego, como os homens, são todos iguais. Canalhas, não prestam, não são confiáveis. Jamais deixe um ego casar com sua filha. Nunca compre um carro usado de um ego. Se emprestar dinheiro pra ele, pode esquecer que jamais receberá um tostão de volta. Sem contar que ego não pede licença, não pede “por favor” e não diz “obrigado”. É mal educado que só a porra. Ego é feio, apesar de se achar o mais lindo do mundo. Ego é estúpido, não tem papas na língua, fala o que pensa e não respeita os mais velhos. Tem boca suja, fala muito palavrão e adora envenenar todo mundo pelas costas. É fofoqueiro e ladrão de galinhas. Ego é o fim da picada. O ego é vil, mal patrão e tem chulé. É pretensioso, trapaceiro e sonega imposto. É metido a machão, mas dizem que no carnaval sai vestido de Carmen Miranda. O ego é um salafrário, boca-mole, barraqueiro e impertinente. Aquele calhorda, cretino, imbecil! Tenho repulsa dele!

    E não é só isso. O ego é um sujeito completamente fora de controle. Ele é metido, é preconceituoso, é mau. Ele quer que todo mundo se exploda e que só sobre ele no mundo. O ego é xenófobo, de extrema-direita e provavelmente contrário à união estável entre pessoas do mesmo sexo e principalmente ao estudo das células-tronco. O ego não aprova o protocolo de Kyoto e é contra o aborto, a não ser quando ele for a parte interessada. O ego não está nem aí com os problemas do outros, com a desgraça alheia. O ego não deu um tostão para as vítimas do tsunami na Ásia nem jamais doa sangue. O ego é muito egoísta. Não gosta de pobre e nunca dá esmola.

     Mas tem mais: o ego não dá passagem no trânsito, nunca dá a preferência para pedestres e sempre que pode para em cima da faixa. Se deixar, passa em cima das velhinhas que atravessam sem olhar. O ego dirige sem cinto, falando no celular no dia do seu rodízio. O ego não respeita os limites de velocidade, estaciona em local proibido, anda na contramão e se vier um marronzinho encher o saco ele ainda saca um revólver e manda chumbo quente no coitado.

     O ego é ateu quando convém e ortodoxo quando lhe interessa. O ego come, vira pro lado e dorme, não abaixa a tampa da privada depois de fazer xixi, jamais lava a louça nem tira os pratos da mesa. O ego palita os dentes com a boca aberta, coça o saco na frente de todo mundo e cospe no chão. O ego nunca compra flores nem dá joias. Só está interessado em sexo e não faz a menor questão de esconder. Ego não usa camisinha e jamais assume a paternidade de um filho, mesmo que o exame de DNA prove sua participação. Aliás, ego detesta criança. Se puder, afoga todas. O ego não vale um tostão furado.

     Não sei mais o que fazer com este infeliz. Ele acabou com a minha vida e ainda quer mais. Estou esgotado, vencido, desconsolado. Eu preciso dar um fim neste reinado de terror ou não terei mais muitos dias pela frente. Eu preciso acabar com meu ego. Preciso dar um basta! Preciso extirpar este mal pela raiz. Acabar com a raça deste maldito. E eu tenho certeza de que vou conseguir isso. Certeza absoluta! Afinal sou inteligente, engraçado, bonito, charmoso, gostoso, enfim, eu sou foda!

Duas Cabeças Pensam Pior Do Que Uma

 

 

O homem é este ser confuso e perturbado por falta de
um comando intelectual central

 

     O maior problema do homem é a falta de foco. Pensa com duas cabeças, como você está careca (sic) de saber. Mas diferente do que professa o ditado popular, seu desempenho é bastante comprometido por conta disto. Duas cabeças, neste caso específico, tiram qualquer possibilidade de coerência e equilíbrio. Diferente da mulher, que pensa apenas com a bolsa, por isso é mais resolvida, objetiva e prática. O homem não. Duas cabeças controlam este ser primitivo, ordinário e atavicamente equivocado. Ou seria melhor dizer que descontrolam? É, porque cada uma segue uma direção diferente e toma o comando conforme a situação assim o exija. E saiba que jamais na história da humanidade algum homem chegou perto de conseguiu unir suas duas cabeças para o seu próprio bem. A pobre alma masculina fica sendo um mero joguete nas mãos destas duas entidades notadamente maquiavélicas. Um mero títere, incapaz de manter um comportamento minimamente digno e aceitável.

     Mas não sejamos maniqueístas. O que mais surpreende nesta história, porém, é que o homem pensa com duas cabeças, mas nenhuma delas é confiável. Trapaceiras de primeira ordem, frequentemente deixam seu hospedeiro em maus lençóis. Até porque uma delas só pensa mesmo em deixá-lo em algum tipo de lençol. São como partidos políticos de oposição que nunca fazem qualquer tipo de aliança. Só lhes interessa o poder absoluto. E quando de fato assumem o poder e empreendem alguma lambança deslavada ou praticam algum ato execrável, mais do que depressa passam a bola para o adversário afim de que ele possa levar a culpa e arcar com as consequências. E o mais curioso disso tudo é que toda essa luta sanguinolenta serve para que? Para controlar o corpo de um merdinha qualquer. São cabeças realmente sem nenhum critério.

     Veja agora um exemplo de como as cabeças masculinas prejudicam e denigrem a já combalida imagem do macho contemporâneo. A cabeça principal, aquela onde se encontra o cérebro do homem, chamaremos de cabeça número um. E a cabeça que fica sobre os ombros, chamaremos de cabeça número dois. Imagine, então, um homem ambicioso e bem preparado. Sua situação financeira, entretanto, não enxerga sua ambição nem de binóculo. Mas, por conta de um lance de astúcia e inteligência, está prestes a fechar o maior negócio de sua vida, que vai mudar os rumos de sua existência transformando-o num homem rico, poderoso e de grande prestígio. A cabeça número dois está com tudo. Dando todas as cartas. Cada passo deste homem indestrutível é milimetricamente medido por ela. Já a cabeça número um afoga-se no ostracismo, sem representatividade, desprestigiada, estagnada e encolhida num canto qualquer, até porque anda fazendo um frio dos diabos. Mas, não se iluda. Como a dengue, a cabeça número um é um mal que se desenvolve em águas paradas.

     O homem está prestes a assinar o tal contrato. Entra no prédio confiante e inquebrantável. Tudo parece encaminhar-se para um final feliz para o varão até que ele encontra uma mulher como outra qualquer no elevador. “Como outra qualquer” para a cabeça número dois, porque para a cabeça número um é um verdadeiro monumento erigido em homenagem à testosterona. Bastou o sensível e delicado nariz masculino sentir aquele perfume que deve ter sua fórmula baseada em essências utilizadas em antigos rituais de acasalamento, para que a cabeça número um despertasse de sua longa hibernação. A cabeça número dois, ingênua, bobinha, continua devaneando. Enquanto isso, a cabeça número um já começa a botar suas manguinhas de fora. Começa com as manguinhas. Depois o negócio fica bem mais sério.

     Além do nariz, a cabeça número um, sorrateiramente, começa a controlar também os olhos do sujeito. A partir daí ele não consegue mais desviá-los das insofismáveis cavidades daquele colo espetacular. A cabeça número dois é muito sonsa mesmo. Continua fazendo contas, planejando passos e contabilizando resultados futuros. Para ela, aqueles seios protuberantes não passam de representações dos altos e baixos de um gráfico de faturamento. Mas os ouvidos desse bicho de duas cabeças passam a captar apenas o som da doce respiração produzido pelos motores daquele avião de duas pernas. E que pernas. Duas colunas romanas, esculpidas à perfeição, abrigando o portão de um majestoso e acolhedor castelo encantado. Portão que a cabeça número um fará questão de romper, triunfante.

     A cabeça número dois continua pensando na banda cambial enquanto a cabeça número um só pensa naquela bunda sensacional. Os olhos do ex-competente passam a produzir um brilho diferente. Não são mais cifrões que refletem em sua íris, mas claves de sol, prenunciando melodias orgiásticas. Subitamente a cabeça número dois, em meio à um business plan muito bem concatenado, toma uma rasteira desleal e sofre um golpe de estado. A cabeça número um agora tem controle total do indivíduo. Sendo assim, decide investir pesado no marketing de relacionamento. Ele parte para cima de sua consumidora em potencial. Confiante e de cabeça erguida, logo a convence de ir para um motel onde ele poderá finalmente por em prática todo seu talento estratégico. É claro que, por não aparecer à reunião, o vassalo das cabeças irresponsáveis perde aquele grande negócio e a chance de mudar de vida. Isso não seria nenhum problema se depois de gozar a cabeça número um não fizesse questão de devolver o pepino para a cabeça número dois resolver. O cara olha para o lado e não entende porque trocou milhões de dólares por uma garota tão vulgar, que não passa de nota cinco em qualquer critério de avaliação. Mas bastam uns quinze, vinte minutos para ele começar a entender tudo de novo. E de cinco, a moça passa para sete, sete e meio.

     Existe, porém, um terceiro núcleo de poder na vida do macho moderno: a cabeça número três, esta sim poderosíssima, intangível, atroz, desumana. Tanto que, quando aparece, passa a governar com plenos poderes todos os atos do homem, anulando completamente suas cabeças originais de fábrica. Estas atrofiam e começam a servir apenas de enfeites vagabundos, penduricalhos barulhentos, adereços cafonas, símbolos falidos de um tempo de glórias que já não voltam mais. A cabeça número três geralmente inicia seu reinado com uma grande festa, quando veste véu branco e grinaldas e derrama lágrimas que ainda não se sabe se são de felicidade ou simplesmente de alívio. Além disso, entre outras violências, o homem é tocaiado na saída e alvejado covardemente por uma enxurrada de arroz cru. A partir desta data festiva, portanto, ele se transforma em um mísero corpo célere sem vontade própria. O que, sejamos honestos, faz um bem danado para ele.

 

Eu não sei onde estava com as cabeças quando escrevi este texto.

Homo Shoppiens

 

O futuro do ser humano será viver em Shopping Centers

  

  Quem diz que o futuro da civilização será determinado pela Internet não conhece São Paulo. Aqui as coisas não funcionam como no resto do mundo. Vejo claramente em uma de minhas bolas de cristal – tenho duas – que o futuro da nossa cidade será o Shopping Center, uma espécie de útero arquitetônico: um lugar confortável, seguro, com clima agradável, onde o paulista encontra tudo o que precisa para se manter vivo. Lá todo mundo finge que ele é a pessoa mais importante do mundo e ele acredita. De fato, ninguém incorporou tanto o espírito de Shopping Center quanto o morador de São Paulo.

   Com a escalada da violência e o crescente descaso das autoridades, os shoppings começarão a crescer vertiginosamente até se tornarem verdadeiras cidades. As pessoas passarão a viver dentro dos shoppings. Autênticas sociedades de consumo. Haverá ruas, avenidas, praças, parques, plantações, criação de animais, indústrias, escolas, escritórios, estádios de futebol, até praia. Voltaremos aos moldes da idade média, onde cada castelo protegia a população de sua região e tinha seu sistema político-administrativo totalmente independente. Os shoppings paulistas serão, portanto, as novas cidades-estados do consumo.

   Não será seguro sair desses baluartes do comércio. O lado de fora será terra de ninguém, sem segurança, sem lei, sem ordem e, principalmente, sem lugar para estacionar.

   Os atuais administradores de shoppings tomarão o poder como governadores ou imperadores e o clube dos lojistas será uma espécie de senado. As únicas leis que valerão serão as leis de mercado. Mas como o paulista também é brasileiro, algumas delas não vão pegar. Para manter a ordem, os seguranças tomarão a função de polícia. Imprensa? Só para divulgar as promoções do dia.

   Como você sabe, não se pode fumar em shopping, portanto o cigarro será proibido nessa nova sociedade. É claro que surgirão rebeldes que pegarão em armas para defender o direito de se matar lentamente, criando uma seita religiosa radical que pregará o direito a fumar até dentro de berçários: serão os filhos da Nicotina, os seguidores do Alcatrão.

   Não haverá mais esta profusão de documentos que as pessoas portam hoje. O que identificará o habitante dessas fortalezas do consumo desenfreado serão os cartões de crédito. A certidão de nascimento será substituída por aquela carteirinha que se tira para participar das promoções. Todos os deveres cívicos serão estimulados por promoções: pague os impostos e concorra a uma BMW. Não tome multas de trânsito e concorra a uma passagem para o Shopping Iguatemi. E quem for pego seguidas vezes pedindo desconto será banido desta cidadela das boas compras.

   Tudo será comprável ou vendável: produtos, serviços, diplomas, carteira de motorista, votos, dignidade, etc. Bem, alguma coisa teria de continuar igual aos dias de hoje. E para os homens que estavam preocupados com certos estabelecimentos, não se preocupem. Sim, vai haver prostíbulos nestes novos templos sagrados do SPC:

   – Meu bem, quanto foi?

   – Cento e cinquenta reais.

   – Aqui está. E me dá uma notinha para eu poder participar da promoção? Ah, e não esquece o carimbo do estacionamento, por favor.

É Muito Chato Ser Chato

 

Estou transtornado. Acabado. Destruído. De repente me dei conta de que sou chato. Um mala. Sem alças e sem rodinhas. E, a menos que eu esteja enganado, esse é um dos piores defeitos que pode atingir um ser humano. Acho até que é pior ser chato que ser desonesto, que ser mentiroso, que ser serial killer. Meu Deus, neste momento o que eu mais queria era ser um serial killer. É condenável, mas ninguém fica apontando para você na rua e rindo debochadamente. Ninguém fica fazendo piadinha nas suas costas e ironizando seu comportamento. Até porque se fizer isso pode ser o próximo da lista de assassinatos. De qualquer maneira a minha situação é patética. Calamitosa. Não existe remédio, não há cura para a chatice. Não existe ex-chato. Você nasce para aquilo. Cada um nasce para alguma coisa e o chato nasce para encher a paciência dos outros e vai assim até o fim da vida. Eu sei por que todos os chatos que eu conheço são chatos desde que os conheço. E parece que o tempo vai passando e vai ficando pior. Mais e mais chato. Quando você acha que o cara não poderia ser mais chato ele inventa uma chatice nova que te surpreende. E te enche o saco, claro. Aliás, o chato é sempre um sujeito muito criativo. Está sempre inventando alguma coisa para atormentar os outros. E, via de regra, atinge plenamente este objetivo.

   Só para conferir: este texto está chato? Está incomodando? Poderia ser diferente, mais divertido, mais leve? Qualquer coisa, me avise, tá? Eu não quero ser inconveniente, aborrecido, inoportuno, monótono, enfadonho, maçante, incômodo, desagradável, cansativo, tedioso, pentelho. Aliás, não tem coisa mais chata do que chato que não quer ser chato. Chato arrependido. Chato politicamente correto. O famoso falso chato.

   Hoje, subitamente, me dei conta do porquê de ter uma vida assim, solitária, do porquê de não ter tido uma carreira profissional compensadora e vitoriosa. Eureka! Era isso o tempo todo e não sabia. Chatice é que nem mau hálito. Afasta as pessoas, mas ninguém tem coragem de alertar o sujeito. Até porque, provavelmente se o fizer, ele não vai gostar. Vai se sentir ofendido e injustiçado. E, claro, vai ficar enchendo o seu saco pro resto da vida. Eu sempre achei que minha diferença com o mercado era porque eu sempre fui considerado um cara “difícil”. Puta merda, difícil é uma maravilha. Acontece que esse “difícil” estava só na minha cabeça. Os caras sempre falaram que eu era chato mesmo.

   Tem certeza de que não estou sendo chato? Pode falar, eu já não tenho mais nada a perder. Fica a vontade, hein!

   Até meus amigos me acham chato, o que lhes confere um grau de paciência e desapego extraordinários. São pessoas especiais, que abrem mão de seu conforto para trocar alguns momentos de sua vida com um cara que é chato. Não é má pessoa, mas é chato demais. E isso é um problema muito sério. Aliás, a dor de se descobrir chato é profunda e pungente. Mas você não pode procurar ninguém para desabafar, já que vai encher o saco da pobre alma que lhe oferecer o ombro. E os amigos já não aguentam mais. É melhor não forçar a barra.

   Outra condição que acentua a minha chatice é o meu perfil independente. Mais chato que um chato normal é um chato metido a independente. Não está nem aí com os outros, não tenta se enturmar e não pede favores. Mas, de alguma forma, mesmo assim, consegue ser chato. É um talento nato. A chatice está no DNA. Uma vez eu li um dicionário eufemístico que dizia que chato é um indivíduo cuja presença provoca ausência. Achei que era um parecer divertidíssimo sobre um assunto distante. Mas hoje eu sei que sou este indivíduo. E, de repente, não acho mais a menor graça nesta frase.

   Mais chato que um chato chato é um chato que não quer ser chato. E fica mais chato ainda. Mas no meu caso é diferente. Olha, gente, não me levem a mal, eu posso explicar. Eu não quero ficar aqui me defendendo ou justificando demais o fato de ser chato, mas vocês precisam acreditar que eu não quero ser chato. Sou assim por algum problema psicológico que foge à minha compreensão e que, portanto, escapa à minha capacidade de resolvê-lo. Juro que eu não quero ser chato. Não é minha intenção. Eu mesmo detesto gente chata, quero distância e sempre que posso, meto o pau neste bando de malas sem alça que não sabem se comportar em público. Mas eu sou diferente. Eu sou legal. Eu acho que eu posso mudar. Eu acredito que existe vida após a chatice. É tudo uma questão de treino, de prática. O problema é que o chato nunca sabe quando está sendo chato. Não existe um alarme que toca quando a chatice começa. Não tem um aparelhinho que dê um choque conforme o cara vai enchendo os outros. Conforme o grau de chatice aumente ou diminua a intensidade do choque. Mas eu acho que não seria capaz de usar uma geringonça destas. Teria medo de morrer eletrocutado na primeira esquina. E ainda fazer uma piada antes de dar o suspiro final. Porque também tem essa: a grande maioria dos chatos é metida a fazer graça de tudo. Não pode acontecer nada que ele já tem uma piadinha na ponta da língua, cara chato. Chatonildo. Chato de galochas. Vai ser chato assim na puta que o pariu.

   Só mais uma coisinha: esse trauma está acabando comigo. O mala comum, vocacional, não sabe que é mala. Pelo contrário, se acha um sujeito 100%. Os outros é que são chatos. E a pior coisa que pode acontecer com o chato é tomar consciência de sua chatice. Eu descobri que vivia num mundo de ilusões, de mentirinha. Uma verdadeira Chatrix. Eu achava que era um cara legal e que o fato de ninguém nunca me convidar para nada era apenas porque eu me faço de difícil ou pela minha falta constante de grana. Mas, lamentavelmente, isso me bastava e eu era feliz assim. Agora que sei toda a verdade, não vejo caminhos, não tenho alternativas. Estou num beco sem saída. Sou chato e não há o que fazer. Sou um penta-positivo em avançado estágio de aborrecimento. Sou chato e estou com medo até de sair de casa. Tenho medo de ser chato com os meus vizinhos e com o chapeiro da padaria. Tenho medo de ser chato com o garçom do barzinho. Tenho medo de ser chato com qualquer pessoa que cruze o meu caminho. E agora? Se você tem uma solução para me dar, me mande um e-mail. Quem sabe você tem uma resposta? Eu não quero ser chato! Eu não quero ser chato! Prefiro a morte! Chato suicida também é dose, né? Que saco! Por favor, me ajude, me ajude. Mas só se não for encher muito o seu saco.